Complemento da Ação: Prezados,
PARECER JURÍDICO FAVORÁVEL AO PROJETO DE LEI "AUTORIZA O MUNICÍPIO A CONCEDER ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES DIABÉTICOS SENSOR E APARELHO MEDIDOR DE GLICOSE DIGITAL"
1. INTRODUÇÃO
O presente parecer jurídico tem por objetivo analisar a constitucionalidade, legalidade e a relevância social do Projeto de Lei que "autoriza o município a conceder às crianças e adolescentes diabéticos sensor e aparelho medidor de glicose digital". Após minuciosa análise do teor do projeto, de sua justificativa e da legislação aplicável, conclui-se pela plena viabilidade e, mais do que isso, pela imperiosa necessidade de sua aprovação, dadas as suas inegáveis contribuições para a saúde pública e para a garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
O projeto em questão, proveniente da Câmara Municipal da Estância Turística de Embu das Artes, demonstra um avanço significativo na política de saúde local, ao propor a disponibilização de tecnologias modernas e essenciais para o manejo do diabetes mellitus em uma faixa etária particularmente vulnerável.
2. ANÁLISE DOS ARTIGOS DO PROJETO DE LEI
Vamos detalhar cada um dos artigos propostos e seus fundamentos:
"Esta lei autoriza o Município a conceder a pacientes pediátricos e adolescentes (dos 2 aos 17 anos), que fazem tratamento contínuo do diabetes pelo SUS, conforme prescrição médica, aparelho digital para medição e sensor para controle da glicemia."
Este artigo central estabelece o escopo da lei, definindo o público-alvo e os benefícios a serem concedidos. A delimitação da faixa etária (2 aos 17 anos) é crucial, pois aborda uma população que demanda cuidados diferenciados e que, conforme a justificativa do projeto, enfrenta desafios significativos com os métodos tradicionais de medição de glicemia. A exigência de tratamento contínuo pelo SUS e prescrição médica garante a organicidade do benefício dentro do sistema de saúde, evitando a discricionariedade e assegurando que a concessão seja baseada em necessidade clínica comprovada.
O parágrafo primeiro do Art. 1º, que sugere a restrição do benefício a pacientes de baixa renda após triagem socioeconômica, é uma medida que visa a equidade. Ao focar nos mais necessitados, o município otimiza o uso dos recursos públicos e reforça o princípio da seletividade e distributividade dos benefícios e serviços sociais, conforme preceitua a Constituição Federal. Esta triagem, a ser realizada pela Secretaria Municipal de Saúde, assegura que o auxílio chegue a quem mais precisa, sem desviar-se da finalidade social da proposta.
Art. 2º do Projeto de Lei,
"Caberá à Secretaria Municipal de Saúde a execução das rotinas necessárias ao cumprimento do disposto nesta lei."
A designação da Secretaria Municipal de Saúde como órgão responsável pela execução da lei é perfeitamente alinhada com as competências institucionais. É o órgão técnico e administrativo com expertise e estrutura para gerir programas de saúde, organizar a logística de aquisição e distribuição dos equipamentos, e realizar as triagens e acompanhamentos necessários. Isso garante a eficiência e a eficácia na implementação do benefício, centralizando as ações em quem detém o conhecimento setorial.
Art. 3º
"Fica o Poder Executivo autorizado a abrir crédito adicional especial para o devido custeio do equipamento e sensores e formalizar convênio com o Ministério da Saúde."
Este artigo aborda a previsão orçamentária e a possibilidade de cooperação federativa. A autorização para abertura de crédito adicional especial é fundamental para o custeio da lei, demonstrando a preocupação com a responsabilidade fiscal e a transparência na gestão dos recursos públicos. A possibilidade de formalizar convênio com o Ministério da Saúde é um ponto de extrema relevância, pois abre portas para o cofinanciamento do projeto, aliviando a carga sobre o orçamento municipal e fortalecendo a rede de assistência à saúde em nível federal. Tal cooperação está em consonância com o Art. 23, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para cuidar da saúde e assistência pública.
Art. 4º
"As despesas decorrentes desta lei correrão por conta de dotações consignadas no orçamento do Poder Executivo, o qual será suplementado, se necessário."
Este dispositivo ratifica a responsabilidade orçamentária do Poder Executivo municipal e prevê a suplementação de dotações, se for o caso. A previsão de custeio por dotações orçamentárias existentes, e a possibilidade de suplementação, demonstram a seriedade e a prudência na elaboração do projeto, garantindo que as despesas serão cobertas de forma regular, sem comprometer outras áreas da administração pública. Esta clareza orçamentária é essencial para a segurança jurídica e a sustentabilidade da lei.
Art. 5º
"Poderá o poder executivo regulamentar esta lei por decreto ou outro instrumento legal."
A delegação da regulamentação da lei ao Poder Executivo via decreto ou outro instrumento legal é uma prática comum e necessária para garantir a flexibilidade na aplicação da norma. Detalhes operacionais, critérios de seleção mais específicos e procedimentos administrativos podem ser melhor definidos em um decreto regulamentar, permitindo que a lei se adapte a eventuais mudanças ou necessidades práticas sem demandar novas intervenções legislativas. Isso confere agilidade e dinamismo à implementação da política pública.
3. ANÁLISE DA JUSTIFICATIVA: O IMPACTO SOCIAL E DE SAÚDE
A justificativa do Projeto de Lei é robusta e convincente, apresentando argumentos técnicos e sociais que sustentam a urgência e a pertinência da medida.
Da Justificativa do Projeto:
"A Diabetes Mellitus é uma doença grave, crônica do metabolismo da glicose causada pela diminuição do hormônio insulina que tem como função a mobilização da glicose de dentro das células."
A exposição inicia destacando a gravidade e cronicidade do Diabetes Mellitus, com foco no Tipo 1, que acomete crianças e adolescentes. A ausência de insulina suficiente e o consequente acúmulo de glicose no sangue (hiperglicemia) levam a danos progressivos em vasos sanguíneos e órgãos, conforme detalhado na justificativa. Essa elucidação da patologia sublinha a necessidade de intervenção precoce e contínua.
"A monitorização do controle glicêmico é fundamental no tratamento do diabetes, especialmente do tipo I, mais frequente em crianças e adolescentes, uma vez que o controle metabólico diminui e até mesmo retarda complicações crônicas."
Este ponto é crucial. A justificativa enfatiza que o controle metabólico rigoroso é a chave para prevenir ou retardar as graves complicações crônicas do diabetes, como coma hipo ou hiperglicêmico, micro e macroangiopatias e neuropatias. Ao fornecer os meios para essa monitorização eficaz, o município não está apenas tratando uma condição, mas prevenindo uma série de comorbidades que, a longo prazo, gerariam custos de saúde muito mais elevados e um sofrimento imenso para os pacientes e suas famílias. Trata-se, portanto, de um investimento em saúde preventiva e de qualidade de vida.
"Nos diabéticos tipo I, os quais necessitam de doses diárias de insulina exógena, ficando assim mais susceptíveis a possíveis descompensações glicêmicas. Sendo assim diversos testes são realizados durante o dia, através da glicemia capilar. A glicemia capilar é realizada com “picadas” no dedo para colher o sangue, que será processado em aparelho chamado glicosímetro. Se para os adultos já pode ser um desafio repetir esse processo várias vezes ao dia, imagine para as crianças e adolescentes. As crianças pequenas reclamam e choram de dor e os adolescentes da exposição. Cabe destacar no Diabetes tipo I, o portador deve fazer essa avaliação pelo menos 7 vezes ao dia."
As justificativas ilustram a realidade dolorosa e desgastante da medição tradicional da glicemia. As múltiplas "picadas" diárias necessárias para o controle do Diabetes Tipo 1 representam um fardo físico e psicológico considerável, especialmente para crianças e adolescentes. A dor, o medo e a exposição (para os adolescentes) podem levar à baixa adesão ao tratamento, comprometendo seriamente o controle da doença e aumentando o risco de complicações. Este é um argumento humanitário poderoso para a adoção de tecnologias menos invasivas.
"Como tudo evolui, a tecnologia desenvolveu um equipamento digital para monitorar a glicemia o FREESTYLE LIBRE, produzido pela empresa ABBOT. Trata-se de um sensor do tamanho de uma moeda de 1 real com adesivo colocado na parte posterior do braço e que com uma microagulha, capta flutuações da glicemia sem a necessidade de picadas. Para saber suas taxas em determinado momento, basta passar um dispositivo portátil (uma espécie de leitor digital) por perto do sensor. Essa inovação tecnológica facilita e melhora muito a vida de quem convive com Diabetes, principalmente das crianças e adolescentes."
Aqui, a justificativa apresenta a solução tecnológica: o sensor digital como o Freestyle Libre. A descrição de seu funcionamento — um sensor que mede a glicemia sem picadas frequentes, através de um leitor portátil — demonstra o avanço que essa tecnologia representa. A eliminação ou redução drástica das picadas não só alivia o sofrimento físico e emocional, mas também aumenta a adesão ao tratamento, melhora o controle glicêmico e, consequentemente, a qualidade de vida e o prognóstico dos jovens pacientes. Este é um exemplo claro de como a tecnologia pode ser uma aliada fundamental na promoção da saúde e bem-estar.
4. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA E CONSTITUCIONAL
O Projeto de Lei encontra sólido amparo na Constituição Federal de 1988 e na legislação infraconstitucional pertinente.
Direito à Saúde (Art. 196 da CF/88): A Constituição Federal estabelece que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação." Ao prover acesso a equipamentos que otimizam o controle de uma doença crônica grave, o município cumpre seu dever constitucional de garantir a saúde, promovendo a proteção e recuperação dos pacientes.
Princípios do SUS (Arts. 198 e 199 da CF/88): O Sistema Único de Saúde (SUS) é regido pelos princípios da universalidade, integralidade e equidade.
Integralidade: O fornecimento de aparelhos e sensores se encaixa perfeitamente no princípio da integralidade da assistência, que preconiza o atendimento de todas as necessidades do indivíduo, desde a prevenção até o tratamento e reabilitação. A simples disponibilização de insulina não é suficiente se os meios de monitoramento eficazes não são acessíveis.
Equidade: A possibilidade de restrição a pacientes de baixa renda no Art. 1º, §1º, reforça o princípio da equidade, que busca tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, garantindo que os recursos sejam direcionados a quem mais precisa.
Proteção da Criança e do Adolescente (Art. 227 da CF/88 e ECA): A Constituição Federal, em seu Art. 227, dispõe que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) reforça esses direitos. A implementação deste Projeto de Lei é uma forma concreta de garantir a prioridade absoluta na proteção da saúde de crianças e adolescentes, minimizando o sofrimento e promovendo seu desenvolvimento saudável.
Competência Municipal (Art. 30, VII da CF/88): Os municípios possuem competência para "prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados, serviços de atendimento à saúde da população". A presente proposta se encaixa na competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e estadual no que couber, visando a melhoria da saúde e bem-estar de seus cidadãos.
Acesso a Tecnologias em Saúde: A jurisprudência brasileira, em especial a do Supremo Tribunal Federal, tem consolidado o entendimento de que o direito à saúde abrange o fornecimento de medicamentos e tecnologias necessárias ao tratamento de doenças, desde que comprovada a sua eficácia e necessidade. O sensor e o aparelho medidor digital de glicose são tecnologias reconhecidas pela ciência médica como eficazes e capazes de promover um controle glicêmico superior, especialmente para o público infantojuvenil.
5. CONCLUSÃO E PARECER FINAL
Diante de todo o exposto, conclui-se que o Projeto de Lei que "autoriza o município a conceder às crianças e adolescentes diabéticos sensor e aparelho medidor de glicose digital" é não apenas constitucional e legalmente válido, mas também de extrema relevância social e humanitária.
Sua aprovação representa um avanço significativo na política de saúde do município, ao:
Garantir o direito à saúde de crianças e adolescentes, uma faixa etária prioritária, de forma integral e equitativa.
Melhorar a qualidade de vida dos jovens diabéticos, reduzindo o sofrimento físico e emocional associado à medição tradicional da glicemia.
Promover a adesão ao tratamento, o que resulta em um melhor controle metabólico e na prevenção de graves complicações de saúde a longo prazo.
Otimizar o uso de recursos públicos a longo prazo, pois a prevenção de complicações futuras tende a reduzir os custos com internações e tratamentos complexos.
Demonstrar a responsabilidade social do município, utilizando a tecnologia a favor dos cidadãos mais vulneráveis.
A proposição está alinhada com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), com as normas de proteção à criança e ao adolescente e com o dever constitucional do Estado de promover a saúde. A previsão de custeio e a possibilidade de convênios interfederativos demonstram a seriedade e a viabilidade orçamentária da iniciativa.
Portanto, o parecer jurídico é FAVORÁVEL à aprovação integral do Projeto de Lei, recomendando-se sua célere tramitação para que seus benefícios possam ser usufruídos pela população o mais breve possível.
HÉLIO DA COSTA MARQUES
OAB/SP 301102
Matr. 1166
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