Complemento da Ação: MANIFESTAÇÃO JURÍDICA SOBRE O PROJETO DE LEI QUE PROÍBE COLEIRAS ANTILATIDO DE IMPULSOS ELETRÔNICOS NO MUNICÍPIO DE EMBU DAS ARTES
Ementa: PROJETO DE LEI MUNICIPAL. PROIBIÇÃO DE FABRICAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE COLEIRAS ANTILATIDO POR IMPULSOS ELETRÔNICOS ("COLEIRAS DE CHOQUE"). COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL. PROTEÇÃO ANIMAL. MAUS-TRATOS. LEI FEDERAL Nº 9.605/98 (LEI DE CRIMES AMBIENTAIS). AVALIAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE FRENTE À AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO NA LEGISLAÇÃO FEDERAL. PARECER PELA CONSTITUCIONALIDADE E ADEQUAÇÃO, NO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR E DE INTERESSE LOCAL.
I. INTRODUÇÃO
A presente análise jurídica visa a emitir parecer sobre a constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei, N.º 88/2025 apresentado à Câmara Municipal da Estância Turística de Embu das Artes pelo Vereador Gustavo de Lorena Infante Arenzon (Gustavo do Rancho). A consulta específica aborda a compatibilidade do projeto com o ordenamento jurídico brasileiro, considerando a Lei Federal nº 9.605/98, que, como bem observado, não especifica diretamente sobre a matéria em questão.
Este parecer se propõe a analisar a competência legislativa municipal para tratar do tema da proibição de coleiras antilatido que operem por meio de impulsos eletrônicos, bem como a conformidade do Projeto de Lei com os princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção animal.
II. DO OBJETO DA CONSULTA
O Projeto de Lei em análise possui a seguinte ementa, "Dispõe sobre a proibição da fabricação, comercialização e utilização de coleiras antilatido que operem por meio de impulsos eletrônicos (“coleiras de choque”) no âmbito do Município de Embu das Artes, e dá outras providências."
Seu Art. 1º estabelece expressamente a vedação:
"Art. 1º - Fica vedada, no Município de Embu das Artes, a fabricação, a comercialização e a utilização de coleiras antilatido que operem por meio de impulsos eletrônicos (“coleiras de choque”), vedada sua aquisição por quaisquer meios, físicos ou digitais."
Os artigos subsequentes delegam ao Poder Executivo a definição dos critérios e regulamentação (Art. 2º), preveem a cobertura das despesas por verbas orçamentárias (Art. 3º) e estabelecem a entrada em vigor na data de sua publicação (Art. 4º).
A Justificativa apresentada pelo Vereador é clara e incisiva, fundamentando a proposta na configuração de maus-tratos:
"CONSIDERANDO que esta medida configura maus-tratos por parte do tutor do animal, ao cercear seus meios naturais de transpiração, comunicação e expressão comportamental, comprometendo seu bem-estar físico e emocional. CONSIDERANDO que o sofrimento contínuo causado pelo uso desse tipo de dispositivo viola o disposto na Constituição Federal de 1988, que estabelece o dever do Poder Público e da coletividade de proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que submetam os animais à crueldade."
Essa justificativa alinha-se diretamente com o objetivo de proteção animal e combate aos maus-tratos, elementos centrais para a análise da competência e mérito da proposição.
III. DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA MUNICIPAL PARA TRATAR DA MATÉRIA
A Constituição Federal de 1988 distribui as competências legislativas entre a União, os Estados e os Municípios. No que tange à proteção animal, a matéria possui nuances que justificam a atuação dos entes federativos.
Primeiramente, é fundamental citar o Art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, que estabelece um dever fundamental de proteção à fauna:
"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade."
Este dispositivo constitucional veda expressamente as práticas que submetam os animais à crueldade. Embora não defina o que são "práticas cruéis", confere ao legislador a prerrogativa de fazê-lo, seja em nível federal, estadual ou municipal, observadas as respectivas competências.
A competência para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição é concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal (CF/88, Art. 24, VI). Neste cenário de competência concorrente, a União estabelece normas gerais, e os Estados exercem a competência suplementar.
No entanto, os Municípios também possuem sua esfera de atuação legislativa, conforme o Art. 30 da Constituição Federal:
"Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;"
A proteção animal, especialmente no que se refere ao bem-estar e à prevenção de maus-tratos de animais domésticos e sinantrópicos no perímetro urbano, é, sem dúvida, um assunto de interesse local. As coleiras de choque, ao serem utilizadas por tutores em seus animais dentro do território municipal, impactam diretamente a saúde pública, o bem-estar animal e a convivência social. A definição do que constitui maus-tratos, em um contexto local, pode e deve ser detalhada pelos municípios, que estão mais próximos da realidade e das necessidades de sua população e de seus animais.
Ademais, o Município pode suplementar a legislação federal e estadual. Quando a legislação federal (como a Lei nº 9.605/98) ou estadual estabelece normas gerais sobre proteção animal, o Município pode editar normas específicas que detalhem ou aprimorem essa proteção, desde que não as contradiga. A proibição de um dispositivo específico que causa sofrimento aos animais, como as coleiras de choque, enquadra-se perfeitamente nessa competência suplementar, pois visa a concretizar o mandamento constitucional e os princípios gerais já estabelecidos, adaptando-os à realidade local e às necessidades de proteção mais rigorosas.
Portanto, sob a ótica constitucional, o Município de Embu das Artes possui plena competência legislativa para aprovar o Projeto de Lei, tanto por se tratar de matéria de interesse local quanto por sua natureza suplementar à legislação federal e estadual em matéria de proteção animal e combate aos maus-tratos.
IV. DO MÉRITO DO PROJETO DE LEI E A RELAÇÃO COM A LEI FEDERAL Nº 9.605/98
A Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Em seu Art. 32, a lei criminaliza a prática de atos de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
"Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal."
A observação do consulente de que a Lei Federal nº 9.605/98 "não especifica sobre a matéria" (a proibição de coleiras de choque) é pertinente. De fato, a lei federal não elenca exaustivamente todos os instrumentos ou condutas que configuram maus-tratos. Contudo, essa ausência de especificação não inviabiliza a lei municipal, pelo contrário.
O conceito de "maus-tratos" é amplo e dinâmico, evoluindo com o conhecimento científico e a sensibilidade social em relação aos animais. O que se considerava aceitável no passado pode ser hoje classificado como crueldade. As coleiras antilatido que operam por impulsos eletrônicos ("coleiras de choque") são amplamente discutidas e condenadas por médicos veterinários, etologistas e organizações de proteção animal, que as classificam como ferramentas que causam dor física e estresse psicológico, comprometendo o bem-estar e a saúde mental dos animais.
A Justificativa do Projeto de Lei da Câmara Municipal de Embu das Artes corrobora essa visão:
"CONSIDERANDO que esta medida configura maus-tratos por parte do tutor do animal, ao cercear seus meios naturais de transpiração, comunicação e expressão comportamental, comprometendo seu bem-estar físico e emocional."
Ao proibir tais coleiras, o Município não está criando um novo conceito de maus-tratos que contradiga a Lei Federal. Está, na verdade, especificando uma prática que, sob a luz do conhecimento atual sobre bem-estar animal, se enquadra na ampla definição de "abuso" e "maus-tratos" já prevista no Art. 32 da Lei Federal nº 9.605/98 e, mais fundamentalmente, na vedação constitucional do Art. 225, § 1º, VII, da CF/88. A legislação municipal, neste caso, atua como um desdobramento e um detalhamento da proteção ambiental e animal em âmbito local, concretizando o mandamento constitucional de combate à crueldade.
É importante ressaltar que a proibição não se restringe à utilização, mas também à fabricação e comercialização. Isso visa a efetividade da medida, impedindo a circulação desses dispositivos no território municipal, o que é coerente com o objetivo de erradicar a prática de maus-tratos associada a eles.
Em diversas decisões, tribunais brasileiros têm reconhecido a validade de legislações municipais que ampliam a proteção animal, incluindo a proibição de certas práticas, desde que tais normas se coadunem com as diretrizes constitucionais e as leis federais gerais, sem invadi-las ou as contradizer. O Projeto de Lei em questão se insere nesse contexto, pois busca implementar, em nível local, uma medida concreta de prevenção de crueldade animal, em consonância com o arcababouço jurídico protetivo já existente.
V. CONCLUSÃO
Diante do exposto, o Projeto de Lei que "Dispõe sobre a proibição da fabricação, comercialização e utilização de coleiras antilatido que operem por meio de impulsos eletrônicos ('coleiras de choque') no âmbito do Município de Embu das Artes" é considerado constitucional e legalmente viável.
O Município da Estância Turística de Embu das Artes detém competência legislativa plena para tratar da matéria, com fundamento nos Arts. 30, I e II, da Constituição Federal, por se tratar de assunto de interesse local e por exercer a competência suplementar à legislação federal e estadual em matéria de proteção animal e ambiental.
A ausência de especificação sobre coleiras de choque na Lei Federal nº 9.605/98 não invalida a iniciativa municipal, uma vez que a lei federal estabelece uma proibição genérica de maus-tratos. O Projeto de Lei municipal atua como um instrumento de detalhamento e concretização dessa vedação, especificando uma prática que, à luz do consenso técnico-científico e da crescente conscientização sobre bem-estar animal, é considerada cruel e lesiva à fauna doméstica. A justificativa apresentada pelo próprio projeto reforça a sua consonância com a vedação constitucional de submeter animais à crueldade (Art. 225, § 1º, VII, da CF/88).
Assim, o Projeto de Lei está alinhado com os princípios de proteção animal previstos na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, contribuindo para a promoção do bem-estar dos animais no âmbito municipal.
Portanto, esta Assessoria Jurídica opina FAVORAVELMENTE à sua tramitação, podendo o projeto ser apreciado pelas Comissões competentes e, posteriormente, pelo Plenário da Câmara Municipal.
É A MANIFESTAÇÃO!
Hélio da Costa Marques
Assessor Jurídico da Câmara
OAB/SP 301.102
Matr. 1166
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